O Algarve e a República

 

1870 – No Algarve, os republicanos ganharam alguma visibilidade a partir dos anos 70 do século XIX.

Neste período, em São Brás de Alportel, a voz que se destacou na defesa do ideário republicano foi a de  Bernardo Rodrigues Passos (Sénior).

Os seus artigos jornalísticos foram publicados em vários jornais do país. 

As últimas décadas do século XIX foram a "era dourada" de São Brás de Alportel devido ao florescimento da inústria e comércio da cortiça. Assiste-se a par de um notório desenvolvimento comercial a um crescimento demográfico que foi único na história deste concelho. As fontes históricas reportam que existiriam na década de 90 cerca de 100 fábricas a laborar. O movimento republicano e a difusão do seu ideário em São Brás de Alportel está fortemente ligado à dinâmica dos novos negociantes, industriais, proprietários e operários, para quem a "velha ordem monárquica" não dava resposta aos anseios económicos e sociais. 

 

1876 Dois algarvios, João Bonança (Lagos) e Manuel José Martins Contreiras (Olhão) integravam o directório republicano.

“A actividade republicana e o ataque à monarquia faziam-se sentir através da luta política em que coabitavam o republicanismo, socialismo, anarquismo e outras correntes.” (Duarte, 2003; p. 139)

“O Sul era, por várias razões, terreno propício e fértil para estas ideias [liberais, livres-pensadores, ateístas e outros]. É uma região sem fanatismos religiosos, ciosa da sua independência, onde o povo é instintivamente liberal.” (Idem, p. 142)

“No Algarve, o combate ao clericalismo era feito por republicanos, maçons e livres-pensadores, dos quais se destacaram João Bonança, Francisco Marques da Luz, José Negrão Büisel, Manuel Teixeira-Gomes, Frederico Moreira, Coelho de Carvalho, José da Costa Ascensão, José Alves Bandeira, Ângelo José de Castro, e muitos outros.

(…)

O anti clericalismo desenvolveu-se como elemento catalisador do descontentamento e da oposição às instituições e à monarquia.” (Idem, p. 144)

“No Algarve (…) movimento anti clerical traduzia-se nos numerosos livros, revistas, jornais, panfletos e discursos públicos que difundiam o ateísmo.

(…)

As críticas anti clericais incidiam sobretudo nas côngruas pagas pelos cidadãos, nas indulgências compradas, no uso de bentinhos, relíquias, estampas, escapulários, trazidos junto ao corpo, nos castigos corporais e outros alegados irracionalismos dos conceitos católicos. Na verdade, o culto católico pouco evoluíra e nele predominavam os terços, as novenas, as ladainhas, os jejuns e as penitências.” (Idem, p. 145)

 

1884 – João Bentes Castel-Branco concebe o projecto de Organização do Partido Republicano no Algarve, apresentado em Faro, realizando-se depois comícios desde Vila Real de Santo António até Lagos. Organiza-se o Conselho Provincial do Partido Republicano, constituído por representantes de vários pontos do Algarve.

 

1876/1888 – Expansão do movimento de criação de escolas móveis Republicanas no Algarve. Tavira (1876); Lagos (1882); Olhão (1884); Silves (1885); Portimão (1887) e Loulé (1888).

Os temas característicos do republicanismo foram desde cedo veiculados por vários órgãos da imprensa regional [“Jornal dos Artistas” (Portimão, 1875); “O Distrito de Faro” (Faro, 1876); “O Eco do Algarve” (Lagos, 1886), e outros.

Neles colaboravam: Gomes Leal, Bernardo Passos Sénior, Marcos Algarve, Coelho de Carvalho, Maria Veleda, Teófilo Braga, Bulhão Pato, Magalhães Lima e João Bonança.

Também foram importantes os laços de amizade que se estabeleceram entre republicanos algarvios e outros republicanos do país como Bulhão Pato, Antero de Quental, Gomes Leal, Sampaio Bruno, João Chagas e João de Deus.

Magalhães Lima deixou o seguinte testemunho do périplo pelo Algarve , em 1884: “Foi uma viagem verdadeiramente triunfal e uma das melhores páginas da propaganda no tempo da monarquia (…) que resultou num verdadeiro triunfo para os princípios republicanos”

 

1880/1890 - Período de surgimento de associações de classe de natureza sindical. Em 1886 é criada a Associação Corticeira de Silves e em 1898 a Associação Corticeira de Faro.

 

1901/1904 - Em Maio, no seio dos monárquicos, é criado  o Partido Regenerador Liberal, chefiado por João Franco.

No Algarve, o Partido Republicano não estava ainda suficientemente organizado e consolidado pelo que muitos simpatizantes do ideário republicano acreditaram que João Franco poderia "regenerar" muitos aspectos da sociedade portuguesa e deixaram-se "seduzir pela sua retórica de oposição". Entre 1901 e 1903, Bernardo Passos(Filho) escreveu para o jornal "O Sul" , periódico de Faro que apoiava o Partido Regenerador Liberal.

Em Fevereiro de  1904, João Franco visita o Algarve. É um ano de eleições e as lutas entre os monárquicos "Progressistas" e "Regeneradores" estão ao rubro. Na Gare dos Caminhos-de-Ferro em Faro, estarão presentes em representação de São Brás de Alportel: João Rosa Beatriz, Júlio César Rosalis, Francisco de Sousa Correia, Bernardo Passos (Filho) e Domingos de Sousa Uva.

Na Aldeia de São Brás, afectos ao grupo dos "Regeneradores", liderado por João Franco, destacavam-se Manuel Rosa Dourado, principal rosto do franquismo em São Brás de Alportel; o industrial corticeiro Manuel da Silva Barreira Júnior ; António Martins Caiado e o negociante José Dias Sancho. No grupo dos "Progressistas" pontuavam António de Sousa Dias (Tio) e Manuel Viegas Valagão.

Até 1906 em São Brás de Alportel dominavam os monárquicos num modelo de rotatividade entre Progressistas e Regeneradores que influenciavam as eleições locais.

 

1905/1906 -  Período de reorganização e intensa actividade política do Partido Republicano.

1906 - João Franco sai vencedor e ganha o governo.

 

1906/1908 - Período de intensa dinâmica do movimento republicano em São Brás de Alportel.

Em 1907, o Dr. Francisco Sousa Dias convoca uma reunião magna para formalizar o Partido Republicano em São Brás de Alportel. É criada a Comissão Paroquial Republicana e eleitos os seus membros:

          Membros Efectivos:

          - Virgílio Rodrigues de Passos (Farmacêutico) - Presidente da Comissão;

          - Custódio Martins Galego Soares (Comerciante) - Secretário da Comissão;

          - João Rosa Beatriz (Comerciante) - Tesoureiro da Comissão;

          - Francisco de Sousa Correia (Proprietário);

          - Francisco de Sousa Eusébio (Proprietário)

          Membros Suplentes:

          - Francisco Lopes Rosa (Proprietário);

          - António Dias Coelho (Proprietário);

          - Manuel Viegas Bordeira (Operário);

          - Manuel Pires Rolita (Operário)

Esta reunião, que se realizou no dia 18 de Novembro de 1907,  aprovou uma proposta sugerida pelo Presidente que consistia no pagamento voluntário de uma quota mensal a favor do cofre da Comissão Paroquial e também foi proposto a criação de um Centro Escolar Republicano na Aldeia de São Brás.

Inscreveram-se no Partido Republicano, em São Brás de Alportel, nesse ano, 91 pessoas.

 

1905/1910 - É um período marcado por várias greves da indústria corticeira no Algarve.

Reporta ao ano de 1905 a primeira referência oficial de uma greve em São Brás de Alportel. Esta greve foi na fábrica do industrial Manuel da Silva Barreira Júnior  e mobizou cerca de 60 operários.

Em 1908, os industriais corticeiros são-brasenses redigem um "Manifesto" exigindo a redução de 60% nas tarifas  de transporte de mercadorias nos caminho-de-ferro do Sul.

Em 1909, realizam-se greves nas fábricas dos importantes corticeiros Francisco Viegas Louro e João Viegas Louro Júnior.

 

1908 - O desemprego e a miséria tomam proporções muito preocupantes no Algarve. Neste ano, o Governador Civil do Distrito de Faro pede ao Governo que ordene a abertura de trabalhos públicos de modo a fazer face ao desemprego. Neste mesmo ano a taxa de emigração clandestina é muito elevada.

Este ano é, também, o marco do período mais conservador e repressivo do governo de João Franco.

           - Regicídio.

 

1910 - Em Outubro - Proclamação da República Portuguesa.  No jornal..................... é publicado o telegrama de apoio e regozijo dos São-Brasenses.

Em Novembro, os trabalhadores corticeiros de São Brás criam a sua Associação de Classe (24 anos depois de ser criada a de Silves)

Em Dezembro, é organizado um grande Comício em São Brás para debater a situação difícil da indústria corticeira. destaca-se neste comício a intervenção  de José Sousa Uva.

Brito Camacho decreta o Direito à Greve

Conflito entre Paulo Madeira (Alte / Loulé) director do jornal “Povo Algarvio”, fundado em 1909. Este conflito que terminou em pancadaria na barra do tribunal e num comício republicano, onde se destacaram os republicanos de São Brás de Alportel.

João Franco alia-se a dissidentes  do seu partido "Regenerador Liberal" e da facção "Progressistas" para fazerem oposição aos Republicanos.

 

1911 - Em Setembro,  organiza-se a 1ª Greve Nacional dos Operários Corticeiros que continuam a exigir a proibição da exportação da cortiça em bruto.

Assiste-se a uma paralização geral do operariado corticeiro algarvio em solidariedade com os seus colegas.

Porém, neste mesmo período, assiste-se à expansão de alguns industriais são-brasenses.

 

 

Referências Bibliogràficas

- O Algarve: da Antiguidade aos nossos dias / coord. Maria da Graça Maia Marques.- Lisboa: Colibri, 1999

- Estudos sobre a I República em S. Brás e Faro : seguidos de um epistolário inédito de João Rosa Beatriz / Paulo Pires.- São Brás de Alportel: Câmara Municipal, 2010.- Edição comemorativa do Centenário da República Portuguesa

- O Testamento Político de / João Rosa Beatriz; fixação e anotação do texto de Paulo Jorge Pires, esbôço de uma biografia política por Maria João Raminhos Duarte.- Lisboa: Colibri, 2003

- Quem foi quem?: 200 algarvios do século XX / Glória Maria Marreiros.- Lisboa: Colibri, 2000

- Terras de Alportel - II / Afonso da Cunha Duarte.- São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2008 .- (São Brás de Alportel: memórias)

- A República e a Igreja no Algarve / Afonso da Cunha Duarte.- São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2010