Manuel de Brito Camacho

Manuel de Brito Camacho

Manuel de Brito Camacho (1862-1934) foi um homem de múltiplas e invulgares facetas sociais como médico-militar, jornalista, político, publicista e escritor. Começou a sua formação superior em Medicina, mas cedo percebeu a importância da sensibilidade cívica para garantir maiores padrões de justiça social, daí decorreu a sua preocupação em formar uma opinião pública sólida que o levou ao exercício do poder político como deputado e ministro Republicano, tendo contribuído para a implantação da República em 5 de Outubro de 1910. No fim da sua vida dando liberdade à sua sensibilidade humanista escreveu e publicou ensaios e contos.

Nasceu em Aljustrel a 12 de Fevereiro de 1862 no seio de uma família de camponeses remediados. Fez os primeiros estudos nesta povoação Alentejana e seguiu com estudos secundários no Liceu de Beja. Em Lisboa seguiu os estudos superiores de Medicina ingressando na Escola Médico-Cirúrgica em 1885. Em 1902-1903 esteve a estudar Medicina na Universidade de Paris para se candidatar a Professor da Escola Médica, mas abandona este seu projecto por motivações políticas que o levam a entusiasmar-se com a crítica jornalística ao regime Monárquico. 

Em 1891 ingressa na carreira de médico-militar como tenente que o levará ao posto de coronel em 1919. Exerceu clínica no Alentejo, na Estremadura e nos Açores e desenvolveu intensa actividade como jornalista e como professor do ensino básico. Toda esta actividade multifacetada de Brito Camacho levou-o a ser convidado a ingressar na Maçonaria, no Grande Oriente Lusitano em 1893[1], em Torres Novas onde estava a exercer clínica.  

A sua afirmação como líder político ocorreu em 1888 ao tornar-se Presidente da Associação Académica de Lisboa. Assim, desde cedo revelou as suas convicções Republicanas, tendo-se tornado membro e dirigente do Partido Republicano Português nos anos finais do século XIX. Colaborou em vários jornais Republicanos, dirigindo designadamente o periódico “O intransigente” (1894-1895), que o catapultou para a carreira política tornando-se deputado desta causa, atacando os erros e vícios do regime monárquico (os aditamentos à Casa Real, a greve académica de 1907 de contestação ao Governo de João Franco, a questão religiosa, etc.), nos anos finais do século XIX e início do século XX.

A sua divergência ideológica com Afonso Costa e a hegemonia e radicalismo deste no Partido Republicano Português estimulou-o, já no novo regime Republicano, à fundação do Partido Unionista, também designado por União Republicana, em 1912, de que foi o principal mentor e dirigente. Deste modo, pretendeu com esta organização partidária opor-se à hegemonia da facção de Afonso Costa que se transmutou em Partido Democrático. Nesta qualidade ajudou à constituição de diversos Governos de coligação nos anos de 1912 e 1913 e sustentou uma polémica oposição à entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial (1916)[2], nos termos defendidos por Afonso Costa, defendendo apenas uma política minimalista de defesa militar das colónias.

Distinguiu-se na vida social portuguesa ao fundar e dirigir desde 1906 em Lisboa o importante jornal Republicano “A Lucta” que muito contribuiu para o desgaste da política monárquica. Neste papel de oposicionista ao antigo regime político foi um dos principais conspiradores e participantes na Revolução de 5 de Outubro de 1910 que instaurou em Portugal o regime Republicano, do qual comemoramos este ano o centenário. Neste novo regime irá exercer importantes funções políticas como ministro do Fomento, em 1910-1911, no Governo Provisório, onde subscreveu a lei de separação do Estado e da Igreja e como deputado por Beja nos anos de 1911, 1915,1919,1921 e 1922.

Brito Camacho como Ministro do Fomento revelou uma especial preocupação com o estímulo do ensino técnico por considerá-lo como fundamental para o progresso económico do país. A sua acção ministerial concedeu, também, um grande relevo à promoção do crédito agrícola e dos meios de transporte. Em 1911 reformou o Instituto de Agronomia e Veterinária subdividindo-o em Instituto Superior de Agronomia e Escola Superior de Medicina Veterinária e, concomitantemente, instituiu os  títulos de engenheiro agrónomo e engenheiro silvicultor[3]. A 23 de Maio deste ano desmembrou o existente Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, de nível secundário, e transformou-o simultaneamente em duas instituições de ensino superior que ganharam a designação de Instituto Superior Técnico e de Instituto Superior de Comércio. Para a instalação do Instituto Superior Técnico convidou o Professor Doutor Alfredo Bensaúde que foi responsável pela organização dos primeiros cursos de especialização em Engenharia[4].

Em 1987 o Presidente da República, Mário Soares, numa pequena homenagem, colocou uma lápide comemorativa na casa de Aljustrel onde Brito Camacho viveu algumas temporadas. A alma rural Alentejana paira na sua obra literária, quer nos seus livros africanistas onde as comparações implícitas entre o Alentejo e a África são frequentes, quer nos seus livros de narrativas de quadros rurais desta região portuguesa. A importância desta característica regionalista na sua obra literária foi bem evidenciada no estudo que sobre ele fez Aquilino Ribeiro intitulado “Brito Camacho nas Letras e no Seu Monte”.

Publicou no fim da vida inúmeros livros de contos e de ensaios, tendo-se tornado escritor em progressiva substituição da sua vida como jornalista e político, e destacam-se, talvez, das suas obras literárias e políticas: Contos e sátiras (Guimarães & C.ª, 1920), A caminho d e África (Guimarães & C.ª, 1923), Quadros alentejanos (Guimarães & C.ª, 1925), Moçambique, Problemas Coloniais (1926), D. Carlos, intimo (Guimarães & C.ª, 1927), Cenas da Vida (1929), De bom humor (Guimarães, 1930), Por cerros e vales (Guimarães & C.ª, 1931) e ainda algumas publicações póstumas como sejam Política Colonial (1936), Rescaldo da guerra (Guimarães, 1936), Questões nacionais (Guimarães, 1937).

Brito Camacho foi Alto-Comissário de Moçambique de 1921 a 1923[5], com poderes políticos acrescidos em relação aos Governadores, e sustentou a perspectiva colonialista de que a riqueza das colónias africanas dependia da rentabilização do trabalho das populações nativas e não tanto do povoamento das populações da metrópole que achava não se adaptariam às difíceis condições climáticas africanas.

Atribuía uma dignidade humana às populações autóctones das colónias africanas pouco vulgar à mentalidade da maioria dos colonialistas, talvez pela acuidade da sua sensibilidade humanista. Considerava as populações nativas não como inferiores do ponto de vista genético, como era preconceito fazê-lo na altura, mas procedentes de um quadro Civilizacional que se encontrava num patamar inferior. Por conseguinte, considerava que o espírito civilizador estava mal orientado ao impor aos nativos africanos o modelo Civilizacional Ocidental, sustentando, ao invés, haver necessidade de estudar antropologicamente estas populações para que os funcionários da administração colonial tivessem conhecimento dos seus costumes e das suas línguas[6]. Esta visão colonialista de Brito Camacho era, na época, profundamente progressista.

Brito Camacho regressado de Moçambique em 1924, após o exercício da sua função de Alto-comissário da República com plenos poderes, fez um balanço da sua percepção colonialista numa Conferência feita em Lisboa que foi postumamente publicada. Afirma, de forma invulgar no panorama político português da época, que as relações entre a Metrópole e as colónias deviam prever e preparar a emancipação destes territórios, defendendo que o princípio descentralizador da administração colonial era contrário à exploração colonial, o que, aliás, em termos laborais lhe causou muito dissabores em Moçambique.

Portanto, a seu ver era necessário desenvolver os territórios ultramarinos e as suas populações para se garantir uma futura e madura emancipação das colónias africanas, à revelia da mentalidade da maioria dos colonialistas que acreditavam na indissolubilidade da ligação política entre Portugal e as suas terras além-mar.Esta perspectiva colonialista progressista evidencia-se quando nos diz:“(…) A principal obrigação da Metrópole em relação às colónias é preparar a sua emancipação. Uma colónia que não tende para a sua emancipação é uma terra escrava e seria absurdo que tendo-se abolido a escravidão dos indivíduos se mantivesse a escravidão dos povos. O termo natural da evolução de uma colónia, mais rápida ou mais demoradamente, conforme as suas circunstâncias é a sua emancipação. (…)”[7].   


[1] António Henrique de Oliveira Marques (coordenador), “Manuel de Brito Camacho”, in Parlamentares e Ministros da 1ª República, Edições Afrontamento – Assembleia da República, s.d., p. 139.

[2] António Reis, “Manuel de Brito Camacho”, in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, vol. I, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 93

[3] Maria Fernanda Rollo, "Os engenheiros e a Ordem I: os antecedentes", in Ingenium, revista Janeiro/Fevereiro de 2006, p. 106.

[4] Agradeço a pertinente sugestão do Professor Doutor Adriano Moreira de evidenciar, neste texto, o papel inovador que Brito Camacho teve como Ministro do Fomento. 

[5]Estas descobertas historiográficas, e outras ainda inéditas, surgiram no âmbito de um projecto de investigação que desenvolvi sob a criteriosa orientação do Professor Doutor José Medeiros Ferreira.

[6] João Fernandes, Brito Camacho – Algumas reflexões acerca da sua obra colonial, Lisboa, Edição Seara Nova, 1944, pp 47-49.

[7] Manuel de Brito Camacho, Política colonial, Lisboa, Editorial Cosmos, 1936, p. 11.

Nuno Sotto Mayor Ferrão