31 de janeiro de 1891

31 de janeiro de 1891

"O mais luminoso e viril movimento de emancipação que ainda sacudiu Portugal no último século" , assim definiu João Chagas o levantamento revolucionário de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, a primeira grande tentativa republicana de derrube da monarquia.

As dezenas de soldados da cavalaria, infantaria, caçadores e guarda-fiscal da capital nortenha que, a partir das duas horas dessa madrugada de há 119 anos, e ao som de A Portuguesa avançaram para o centro da cidade, acompanhados por numerosos populares, viram frustados, no cimo da Rua de santo António, (dirigiam-se à Praça da Batalha, com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos), o sonho da vitória. O tiroteio implacável da guarda municipal, instalada nas escadarias da igreja de Santo Ildefonso, travou a marcha revolucionária, causando 12 mortos e 40 feridos, entre civis e militares. 

 

Os revoltosos seriam rápida e friamente julgados e condenados a bordo de navios de guerra, ao largo de Leixões. Para além de civis, foram julgados 505 militares. Seriam condenados a penas entre 18 meses e 15 anos de prisão mais de duzentas pessoas. Em memória do levantamento, a rua onde tombaram os mártires seria rebaptizada, duas décadas depois, para Rua de 31 de Janeiro.

Horas antes do morticínio, Alves da Veiga, um dos líderes da revolta, tinha feito, da varanda da Câmara, a primeira e histórica proclamação da República.

O fracasso aconteceu porque - lembrou, quase um século depois, José Augusto Seabra - "apesar da coragem dos oficiais, dos sargentos e dos soldados, ladeados pelo povo anónimo e conduzidos por chefes como o alferes Malheiro, o capitão Leitão ou o tenente Coelho", os revoltosos em armas tinham a orientá-los dirigentes civis, activos e generosos, mas desconhecedores da boa estratégia militar.

Numa revolução gorada, encontra-se sempre um sem número de explicações para a derrota. E - como conta Gaspar Martins Pereira em Da Liga Patriótica do Norte ao 31 de Janeiro - os próprios mentores da revolução o reconheceram. Sampaio Bruno admitia, meses depois, no Manifesto dos Emigrados do 31 de Janeiro, a imprevisibilidade de aspectos fortuitos, de cobardias e de traições. Não se apontava, mas provavelmente pensava-se, na indiscrição e falta de tatcto político de Santos Cardoso, director do Jornal A Justiça Portuguesa, encarregado da ligação aos militares. Não se apontava, mas certamente pensava-se, nas posições do Directório Republicano e na falta de solidariedade activa da Maçonaria. Não se apontava, mas provavelmente reconhecia-se com amargura, os erros tácticos da operação militar.

A precipitação resultou essencialmente, como se apurou mais tarde, do anúncio das transferências de muitos dos militares implicados. Alves da Veiga e Basílio Teles eram, aliás, contrários à antecipação da revolta e tentaram, sem êxito, adiá-la. Mais determinados e impacientes, os sargentos tinham, no entanto, decidido avançar de imediato.

Por outro lado, as divergências no seio do Partido Republicano, aliadas a questões pessoais, como as existentes entre Homem Cristo e santos Cardoso, diminuíram a base de apoio e probabilidades de êxito do levantamento militar. E, todavia, muitas e prestigiadas figuras do movimento republicano de todo o país confiavam na vitória portuense.

Cerca de dois meses antes do 31 de Janeiro, Teófilo Braga escrevia a Santos Cardosos e, invocando a façanha dos dirigentes portuenses na Revolução Liberal de 1820, mostrava-se convicto de que a revolução iria triunfar no Porto. "Se estivermos à espera do levantamento de Lisboa - dizia o futuro primeiro chefe de um governo republicano - nunca ele virá, porque esta gente aqui é timorata e cheia de conveniências, tem medo da polícia, da guarda municipal (...) além disso, os dirigentes são elementos velhos que tudo empatam. A revolução do Porto é que pode acordar esta gente...".

Semente e batalha inicial de um longo combate até à vitória de Outubro de 1910, o movimento cívico e político nortenho, liderado por destacados republicanos como sampaio Bruno, Basílio Teles e João Chagas, cresceu rapidamente por força da grave crise económica e financeira e do profundo descontentamento popular perante as cedências do Governo e do Rei ao ultimato de 1890, que reclamava todo o território africano entre Angola e Moçambique.

O ambiente de exaltação revolucionária e patriótica no Porto foi exemplarmente traduzido pela Liga Patriótica do Norte, fundada a 26 de janeiro de 1890, logo a seguir ao ultimato. Presidida - a convite do monárquico Luís de Magalhães - pelo prestigiado poeta e socialista Antero de Quental, então radicado em Vila do Conde, a LPN reunia monárquicos e republicanos, irmanados no repúdio ao ultraje inglês e na ambição de recuperação de um país mergulhado em grave crise política, económica e social. 

Portugal - proclama Antero - expia com a amargura deste momento de humilhação e ansiedade de quarenta anos de egoísmo, de imprevidência e de relaxamento dos costumes políticos, quarenta anos de paz profunda que uma sorte raríssima nos concedeu e que só soubemos malbaratar na intriga, na vaidade, no gozo material, em vez de os aproveitar no trabalho, na reforma das instituições e no progresso das ideias".

Para o grande poeta - que após o fracasso do 31 de Janeiro regressa aos Açores, suicidando-se em Setembro de 1891 - o maior inimigo não era o inglês: " Somos nós mesmo, e só um falso patriotismo, falso e criminosamente vaidoso, pode afirmar o contrário. Declamar contra a Inglaterra é fácil: emendar os defeitos da nossa vida nacional será mais difícil (...) Portugal, ou se reformará, política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser efectiva e fecunda, deve partir de dentro, do mais fundo do nosso ser colectivo: deve ser antes de tudo uma reforma dos sentimentos e dos costumes. enganam-se os que julgam garantir o futuro e assegurar a nacionalidade com meios exteriores e materiais, com armamentos e alarde de força militar ".

Mais directo, Guerra Junqueiro, outro grande poeta e militante da causa revolucionária, lança o desafio: "A revolução impõe-se. Hoje, quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estupidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos."

Dezanove anos depois, a república fez-se. Cem anos passaram. Será já uma República "larga", "franca" e de todos os portugueses?

Eugénio Alves "Tempo Livre" - n.º 211, Janeiro de 200, págs16-17